Assim como em outros países da América Latina, a superação do autoritarismo militar exigia um passo no sentido de combater a violência institucional, o desrespeito aos direitos das minorias e a desigualdade no acesso à Justiça. Sobretudo, contribuir para o fortalecimento das instituições e com a construção de políticas públicas.Sobretudo, contribuir para o fortalecimento das instituições e com a construção de políticas públicas.
A conjuntura pedia novas estratégias de atuação, principalmente em espaços restritos e habitualmente pouco acessados por atores da sociedade civil, como o STF (Supremo Tribunal Federal), e, em âmbito internacional, as Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos.
Esse foi o contexto em que Conectas nasceu, fruto de um esforço coletivo de profissionais, acadêmicos e ativistas dos direitos humanos. Enquanto a situação dos direitos humanos no Sul Global sempre foi discutida por organizações do Norte, Conectas era um contraponto, mostrando que existe massa crítica nessa parte do mundo capaz de elaborar diagnósticos e propor suas próprias soluções. Uma organização fundada e sediada no Brasil, olhando para as grandes questões globais com uma perspectiva do Sul.
Nesses 15 anos de existência, a Conectas contribuiu para efetivar direitos assegurados e para ampliar outros que vão ajudar a construir uma sociedade justa, livre e democrática.
Assim como sugere seu nome, a Conectas nasceu para criar ligações e reunir pessoas e organizações em prol de um objetivo comum: promover e efetivar direitos humanos. Ao adotar a bússola apontando para o Sul como logotipo, a organização deixava claro para qual região do planeta direcionaria seu olhar.
A cooperação “Sul-Sul” nunca se propôs a excluir o Norte, mas trazer à tona novas vozes marginalizadas para o debate internacional. A Conectas iniciou seu trabalho com objetivo de criar um ambiente propício para fortalecer uma nova geração de defensores de direitos humanos por meio de diálogos com acadêmicos, especialistas e lideranças sociais.
O principal espaço para este fim, que antecedeu até mesmo a criação da organização, foi o Colóquio Internacional de Direitos Humanos, um encontro voltado à capacitação e troca de experiências entre ativistas de países da África, Ásia e América Latina.
O desejo pela produção e compartilhamento de conhecimento emergido em uma das edições do Colóquio inspirou a criação de um canal de comunicação entre acadêmicos e ativistas dedicados à promoção e à defesa dos direitos humanos: a Revista Sur
Desde então, a publicação vem discutindo os temas mais relevantes no universo dos direitos e violações. Suas três mais recentes edições refletiram questões da atualidade, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo: drogas, na edição 21 (agosto de 2015); uso e comércio de armas, na edição 22 (dezembro de 2015); e gate.io, na atual edição 23 (julho de 2016).
Com sua consolidação, a revista conquistou um público fiel, além de receber apoio de inúmeras organizações conceituadas e ser citada em trabalhos científicos.
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Em 2003, a Conectas adotou o litígio como estratégia para atuar contra violações cometidas pelo Estado. Essa foi a origem do Programa de Justiça, na época denominado Artigo 1º, que teve como foco inicial de trabalho os adolescentes internados em unidades do sistema socioeducativo.
Entre os anos de 2003 e 2008, a organização realizou visitas e inspeções periódicas em aproximadamente 70% das unidades da Fundação Casa (antiga Febem) para obter informações sobre violações ocorridas nos locais e ingressou com quase uma centena de ações judiciais em nome de adolescentes internados vítimas de violência.
Em diversos casos, em atuação conjunta com outras organizações, a Conectas conseguiu aumentar o custo político das violações aos governantes, contribuir para haver reformas no sistema socioeducativo, além de aprimorar mecanismos de controle e de transparência nas unidades prisionais.
Com a experiência adquirida, a organização passou a atuar no combate a violações e na garantia de direitos de pessoas aprisionadas no sistema prisional adulto. O país já estava em rápido crescimento no ranking de nações com as maiores populações carcerárias. Além de não disponibilizar o acesso adequado à Justiça, conforme previsto em lei, o sistema carcerário brasileiro foi se tornando uma bomba relógio: as más condições dos presídios, a ausência de cuidados médicos e de alimentação adequada e a tortura cotidiana criaram as condições para rebeliões frequentes e violentas.
Em razão do papel que o STF (Supremo Tribunal Federal) alcançou no debate sobre direitos fundamentais, a Conectas entendeu a necessidade de atuar nesse espaço como forma de promover os direitos humanos, sobretudo a grupos mais vulneráveis.
Com a aprovação das leis 9.868 e 9.882, em 1999, representantes da sociedade civil passaram a ter a possibilidade de contribuir com a tomada de decisão da Suprema Corte por meio do chamado amicus curiae – documentos com argumentações técnicas e independentes sobre o caso a ser jugado. A Conectas é uma das organizações que mais vezes utilizou este instrumento no STF.
Foi por meio desta estratégia que, em parceria com outras organizações, a Conectas conseguiu reverter em junho de 2016 o entendimento dos ministros sobre a equiparação do “tráfico privilegiado” - que acontece quando o réu é primário, tem bons antecedentes e não integra organização criminosa - aos crimes hediondos.
A partir de 2005, a Conectas passou a monitorar de forma sistemática os posicionamentos do Brasil no âmbito internacional. Até então, as decisões relativas à política externa eram, via de regra, tomadas pelo Ministério das Relações Exteriores, com baixa fiscalização ou sem prestação de contas aos poderes Judiciário e Legislativo. Muito menos à sociedade civil.
Com a criação do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em 2006, a organização concentrou esforços em atuar de forma estratégica neste espaço, criado para promover o respeito universal para a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais. Os votos do Brasil ali começaram a ser monitorados e, sempre que contrários a direitos humanos, a Conectas passou a questioná-los firmemente.
Com status consultivo na ONU, Conectas vem sendo uma das poucas organizações brasileiras que utiliza as Nações Unidas como tribuna de denúncias de violações cometidas pelo Estado brasileiro, constrangendo-o perante outros países e forçando-o a prestar contas à comunidade internacional sobre estes abusos. A mesma estratégia é aplicada no mecanismo conhecido como RPU (Revisão Periódica Universal), reunião na qual todos os Estados-membros da ONU são submetidos a uma revisão de sua situação de direitos humanos.
Entendendo a necessidade de democratização e participação social na política externa no âmbito nacional, neste mesmo período a Conectas e outras organizações da sociedade civil criaram o Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa, composto por órgãos de Estado como a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos e de organizações da sociedade civil. Seu objetivo é monitorar o cumprimento das normas internacionais de direitos humanos em decisões da política externa brasileira.
O setor privado também pode ser fonte de graves violações de direitos humanos. Portanto, a sociedade civil tem um papel fundamental no fortalecimento dos mecanismos de prestação de contas e na responsabilização de empresas violadoras. Foi a partir deste diagnóstico que, a partir de 2012, a Conectas criou o projeto Empresas e Direitos Humanos.
A realização de estudos e denúncias em fóruns internacionais foram algumas das estratégias adotadas para regular o impacto da atividade empresarial sobre os direitos humanos, populações vulneráveis e comunidades.
A pressão se estendeu a bancos estatais, como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), principal instituição de fomento ao desenvolvimento e de financiamento de infraestrutura do país. A Conectas trabalha para o estabelecimento de salvaguardas socioambientais e de padrões de transparência, prestação de contas e mecanismos de avaliação de impactos das obras financiadas.
A mesma atuação se replicou com a criação do Banco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), para o qual a organização cobrou a definição de parâmetros guiados pelo respeito aos direitos humanos na definição de financiamentos.
Ainda em âmbito internacional, a organização questiona os acordos bilaterais firmados pelo Brasil com Moçambique e Angola que, apesar de trazerem inovações para a facilitação de investimentos entre os países, não garantem a proteção aos direitos humanos.